Muitos brasileiros perderam os seus empregos por conta da pandemia, por isso os que continuam empregados se preocupam em garantir o salário no fim do mês. Qualquer deslize que possa resultar em demissão passa a ser evitado com muito mais cautela que antes.
A demissão por justa causa é o pesadelo de muitos, uma vez que deixa o funcionário sem alguns benefícios na hora de se despedir da empresa. Ao longo do texto entenderemos melhor o que é demissão por justa causa, e os direitos dos trabalhadores.
O empregador pode demitir um funcionário por justa causa quando ele comete algumas atitudes que são consideradas faltas graves e estão previstas na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT).
Quando uma empresa e um empregado firmam um contrato de trabalho e iniciam uma nova “parceria”, tanto empregador quanto funcionário precisam cumprir obrigações legais e trabalhistas nas relações de emprego.
As obrigações estão previstas em Lei e nos acordos firmados entre empresa/patrão e funcionário para manter uma certa ordem e harmonia no ambiente empresarial, gerando produtividade para atingir os objetivos da empresa. Quando um colaborador não segue o acordo, o empregador pode demiti-lo com a dispensa por justa causa.
O patrão entende que o funcionário descumpriu alguma das obrigações trabalhistas e, por isso, juridicamente se torna possível este tipo de desligamento, quando há uma causa grave para que o empregado seja mandado embora.
A seguir vamos detalhar os motivos que são considerados suficientes para a demissão justa causa, mas não se preocupe pois eles são exceções e ainda é necessário que o empregador comprove o motivo da demissão, caso contrário é possível que o funcionário reverta a dispensa. Veja como a seguir!
Principais motivos de demissão por justa causa
A CLT tem um artigo próprio que elenca quais são os motivos que podem ser considerados os justificáveis para uma demissão ser considerada de justa causa. No artigo número 482 são dispostas 14 práticas que configuram ações para justa causa:
- ato de improbidade;
- incontinência de conduta ou mau procedimento;
- negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
- condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
- desídia no desempenho das respectivas funções;
- embriaguez habitual ou em serviço;
- violação de segredo da empresa;
- ato de indisciplina ou de insubordinação;
- abandono de emprego;
- ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítimas defesa, própria ou de outrem;
- ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- prática constante de jogos de azar;
- perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado;
- prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.
Tendo o empregado cometido qualquer uma dessas ações, o gestor deve analisar imediatamente a situação e consultar os departamentos jurídico e pessoal da empresa para examinar se cabe a tal situação uma demissão por justa causa e como proceder.
Para você compreender melhor o que são essas atitudes previstas na CLT, vamos “traduzi-las” a sequir.
Ato de improbidade
O ato de improbidade se caracteriza quando o empregado comete algo desonesto e que traz prejuízos à companhia. A confiança que a empresa tinha nele é quebrada. São atos de improbidade, por exemplo, furtar algo, apresentar documentos falsos, não ir trabalhar e levar um atestado fingindo que estava doente ou bater ponto para um colega que não foi trabalhar.
Para demitir um empregado com base em um ato de improbidade o empregador precisa ter provas suficientes para a decisão, já que é extremamente prejudicial à vida profissional do trabalhador. Se não houver provas, o funcionário consegue converter a demissão e entrar com uma ação pedindo indenização por danos morais.
O auxílio do departamento jurídico da empresa também se faz necessário porque, em alguns casos, medidas judiciais podem levar em consideração o princípio da insignificância quando o ato cometido pelo trabalhador pode ter sido pequeno, se comparado ao “estrago” que esta demissão vai causar à sua carreira.
Incontinência de conduta ou mau procedimento
A incontinência de conduta se refere a algum comportamento sexual inadequado cometido pelo funcionário. Podem ser considerados: assédio sexual, atos obscenos ou acessar pornografia dentro da empresa.
Nesse caso, também é necessário ter cautela por parte da empresa, pois dependendo da penalidade do ato, é possível que o profissional tenha, antes de ser demitido por justa causa, um histórico de punições no trabalho.
Se a conduta do trabalhador for inadequada pela primeira vez e ele for demitido por justa causa, a Justiça do Trabalho pode entender que este tipo de demissão é muito severa.
Por exemplo: o profissional acessa um site pornográfico e é demitido por justa causa. Quando o histórico deste cidadão é investigado, descobre-se que foi a única vez que ele acessou este tipo de site. Para a Justiça, antes de se partir para a demissão, como o trabalhador não tinha histórico, ele poderia receber alguma suspensão, retornar à empresa e ter uma segunda chance levando isso para o seu histórico.
No caso de assédio sexual, a demissão por incontinência de conduta é aceitável sem precedentes devido à gravidade da ação e pela impossibilidade de continuar a convivência no ambiente de trabalho.
Mau procedimento
São diversas as possibilidades de ações que se enquadram como mau procedimento, uma vez que incluem todo e qualquer comportamento ou atividade contrários aos bons costumes e que ferem a ética da empresa.
Atitudes que podem causar demissão por justa causa por mau procedimento costumam ser desrespeitosas, inadequadas ou irregulares. Aqui entram exemplos de ações racistas e discriminatórias. E também quando a pessoa abandona o trabalho sem avisar, bate o ponto por outra pessoa ou usa entorpecentes no horário de trabalho.
Concorrência desleal
Se aplica aqui o funcionário que negocia produtos ou serviços, que são os mesmos oferecidos pela empresa na qual ele trabalha, por conta própria e sem autorização da empresa.
Para a demissão ser concretizada, o empregador precisa comprovar essa ação e aí se determina que é impossível manter o vínculo empregatício.
Condenação criminal do empregado
O funcionário que é condenado criminalmente também pode ser demitido por justa causa, mas apenas quando não existem mais possibilidades do profissional recorrer da decisão. A pena no processo criminal se torna razão para que o contrato entre a empresa e o empregado seja rescindido. Esta ação não precisa estar relacionada à empresa, já que a demissão se deve a impossibilidade do funcionário continuar trabalhando. Se a pena for em regime aberto não é válida a demissão por justa causa, uma vez que ele pode continuar trabalhando.
Mas, caso o empregado seja preso e a ação ainda não tenha transitada em julgado, a empresa não pode demiti-lo, apenas suspendê-lo.
A empresa precisa ficar atenta à decisão da justiça porque caso demore a emitir a demissão, a justiça do trabalho pode entender que o empregador tenha decidido pelo perdão tácito, que é quando o patrão demora a aplicar uma penalidade e perde o prazo para a demissão por justa causa.
Desídia
A desídia é uma das demissões por justa causa mais comuns, porque abrange muitas situações. Pode ser quando o funcionário não aparece para trabalhar e não avisa, dorme no horário de trabalho, faz suas atividades de maneira mal feita, chega atrasado com frequência, entre outros.
Para comprová-la é necessário que o empregado apresente as faltas comentadas acima com frequência e já tenha sofrido advertências anteriores.
Embriaguez habitual
As leis trabalhistas prevêem dois tipos de embriaguez: aquela em que o trabalhador faz uso de bebidas alcoólicas durante o expediente e aquela em que ele já chega embriagado ao serviço e isso atrapalha o exercício das suas atividades.
Ambas situações podem ser motivos de demissão por justa causa, porém o alcoolismo pode ser considerado uma doença e, por isso, em alguns casos deve-se dar a oportunidade de tratamento médico antes do desligamento.
Violação de segredo da empresa
É quando um funcionário conta à alguém de fora da empresa, informações que não podem ser repassadas, como documentos, métodos de trabalho, estratégias etc. Neste caso, o funcionário quebra a relação de confiança entre ele e o patrão.
Ato de indisciplina e insubordinação
Indisciplina é quando o funcionário não cumpre regras da empresa. Por exemplo: o trabalhador exerce suas funções em uma fábrica e precisa utilizar equipamentos de proteção individual (EPI), como um sapato específico, mas o funcionário se recusa e usa um calçado que não o protege.
Se o gestor imediato passa a cobrar do colaborador o uso do sapato e, mesmo assim, ele continua sem utilizá-lo, também pode configurar um ato de insubordinação, que é quando o funcionário não executa alguma atividade exigida pelo seu chefe. Aqui vale a ressalva de que o funcionário só tem obrigação de exercer as atividades que foram previamente contratadas ou combinadas na hora da admissão.
Abandono de emprego
É quando o trabalhador deixa de comparecer ao trabalho por um determinado período. Não há um tempo mínimo estipulado pela legislação, mas tem se entendido que é quando o funcionário não aparece por 30 dias. Para reforçar a decisão de demissão por justa causa, a empresa pode procurá-lo durante o período e se não tiver respostas, confirma a sua vontade de abandono de emprego.
Ofensas físicas ou verbais
Ofensas são consideradas motivo de justa causa e podem ser efetuadas, inclusive, de maneira online, sem que alguém necessariamente presencie a ação.
Cabem aqui dois pontos: não pode ser usada a justa causa se o empregado cometeu uma dessas ofensas fora do local de trabalho e enquanto não exercia sua função e também se ele revidou a alguma agressão, o que pode ser considerado legítima defesa.
Lesões à fama ou honra do empregador
Comentários ofensivos, principalmente os públicos como em redes sociais, podem ser considerados negativos à empresa e passíveis de demissão por justa causa.
Jogos de azar
É possível que o empregado seja demitido quando o jogo de azar afeta a sua rotina de trabalho. Quando ele deixa de trabalhar ou sai durante o expediente para apostar em jogo do bicho ou participar de alguma mesa de carteado.
Para a demissão por justa causa ser justificável, é preciso que o trabalhador repita o comportamento configurando o prejuízo à companhia.
Perda da habilitação
Adicionado em 2017, pela Reforma Trabalhista na CLT, é válido quando o funcionário necessita da CNH para exercer sua função e acaba perdendo a carteira por causa de alguma conduta errada que tenha praticado. Essa conduta precisa ter tido a intenção do colaborador para se justificar este tipo de demissão.
Entra neste item também a perda do registro da profissão, como, por exemplo, um médico que teve seu CRM cassado por alguma conduta dolosa que tenha praticado.
Quais os direitos de quem é demitido por justa causa
Como a demissão por justa causa é aquela em que o empregador teve um motivo grave para desligar o seu funcionário, este fica sem alguns direitos previstos em Lei.
Caso o regime de contratação estabelecido entre funcionário e empregador seja o Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o cidadão perde os seguintes benefícios:
– o funcionário fica impossibilitado de realizar o saque do FGTS;
– o empregador não tem obrigação de pagar a multa de 40% sobre o FGTS;
– o funcionário não tem direito ao seguro-desemprego;
– o funcionário não recebe as férias proporcionais daquele período, mas se possuir tiver férias vencidas, as recebe;
– o funcionário não recebe o valor proporcional do 13º salário;
– o funcionário não recebe e fica liberado de cumprir o aviso prévio.
Os direitos que o trabalhador demitido por justa causa recebe são:
– o saldo do salário daquele mês em que trabalhou;
– salários atrasados, se houver;
– se tiver férias vencidas, as recebe com o acréscimo de um terço;
– a empresa ainda é obrigada a realizar o depósito do FGTS daquele mês.
Como reverter a decisão de demissão por justa causa
Se o funcionário discordar da demissão por justa causa, o primeiro passo é não assinar o Termo de Justa Causa. Tendo a demissão confirmada, ele pode entrar com uma ação trabalhista e recorrer dessa decisão. Para isso, será necessária a ajuda de um advogado trabalhista, que poderá analisar os motivos e as provas apresentadas pela empresa antes de iniciar a ação.
É necessário analisar bem a justificativa da empresa para a decisão do desligamento por justa causa. Para qualquer um dos motivos previstos em Lei, é necessário que a empresa comprove a ação e, na maioria dos casos, antes de se tomar a decisão é preciso que o trabalhador tenha cometido as faltas após ter recebido advertências. Em poucos casos, como no assédio sexual, o empregado pode ser demitido já na primeira ação com comprovação do seu ato.
Tendo o trabalhador a comprovação de que a demissão foi injusta, é possível recorrer. A comprovação precisa ser feita com provas, como documentos, vídeos, testemunhos e falta de advertências anteriores à ação.
Se o trabalhador conseguir comprovar que a demissão foi injusta, exagerada ou até humilhante e prejudicial à sua carreira, a Justiça pode reverter a demissão por justa causa em demissão sem justa causa, decidir pela rescisão em comum acordo e, nos casos mais graves, obrigar o empregador a pagar alguma indenização ao funcionário por danos morais, por exemplo.
Tendo a ação revertida, a empresa se torna obrigada a pagar todos aqueles direitos que não eram previstos para o trabalhador quando foi demitido por justa causa, como aviso prévio, multa de FGTS, entre outros.
Requisitos para recorrer à demissão por justa causa
Além do que citamos acima, existem alguns critérios que podem ser avaliados na hora de recorrer da demissão por justa causa. Confira quais são abaixo.
Tipicidade da conduta
O empregador na hora de decidir pela demissão por justa causa precisa enquadrar o desligamento em algum dos motivos previstos em lei. Se a justificativa para a justa causa não se enquadrar em nenhum dos itens mencionados acima, é possível pedir a reversão da demissão.
Conduta do empregado
São diversos os motivos que se enquadram na possibilidade de demissão por justa causa, porém a Justiça avalia o quão grave foi a ação cometida pelo funcionário para aquela demissão. Uma decisão pode ser revertida se for comprovado que a ação não teve a gravidade considerada pela empresa.
Adequação e proporcionalidade da conduta x penalidade
Como já informamos, é necessário que tenha havido uma sequência de advertências e penalidades conferidas ao colaborador antes que ele seja desligado por justa causa.
Imediatidade da aplicação da medida
O empregador precisa demitir por justa causa assim que souber e puder comprovar a ação do colaborador. Se ele demorar a realizar a demissão por justa causa, a Justiça pode entender que houve o perdão tácito, como comentamos acima.
Culpa e dolo
A irregularidade cometida pelo trabalhador precisa ter tido intenção, como no exemplo que demos na perda da CNH. Se o trabalhador comprovar que não teve a intenção de cometer aquela infração, ele pode ter a demissão por justa causa revertida. Nesta decisão, a Justiça avalia diversos elementos e pode considerar até o grau de escolaridade do funcionário.
Atenção! Como qualquer ação trabalhista, o trabalhador tem até dois anos para recorrer da decisão do empregador e o prazo começa a contar a partir do momento em que o contrato foi rescindido.
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